Mais de dois mil anos de cristianismo criaram uma pesada herança de
mandamentos, de leis, de preceitos, de proibições, de exigências, de
opiniões, de pecados e de virtudes, que arrastamos pesadamente pela
história. Algures durante o caminho, deixámos que o inevitável pó dos
séculos cobrisse o essencial e o acessório; depois, misturámos tudo,
arrumámos tudo sem grande rigor de organização e de catalogação e
perdemos a noção do que é verdadeiramente importante. Hoje, gastamos
tempo e energias a discutir certas questões que são importantes (o
casamento dos padres, o sacerdócio das mulheres, o uso dos meios
anticonceptivos, as questões acerca do que é ou não litúrgico, aos
problemas do poder e da autoridade, os pormenores legais da organização
eclesial…) mas continuamos a ter dificuldade em discernir o essencial da
proposta de Jesus. O Evangelho deste domingo põe as coisas de forma
totalmente clara: o essencial é o amor a Deus e o amor aos irmãos. Nisto
se resume toda a revelação de Deus e a sua proposta de vida plena e
definitiva para os homens. Precisamos de rever tudo, de forma a que o
lixo acumulado não nos impeça de compreender, de viver, de anunciar e de
testemunhar o cerne da proposta de Jesus.
• O que é “amar a Deus”? De acordo com o exemplo e o testemunho de
Jesus, o amor a Deus passa, antes de mais, pela escuta da sua Palavra,
pelo acolhimento das suas propostas e pela obediência total aos seus
projectos – para mim próprio, para a Igreja, para a minha comunidade e
para o mundo. Esforço-me, verdadeiramente, por tentar escutar as
propostas de Deus, mantendo um diálogo pessoal com Ele, procurando
reflectir e interiorizar a sua Palavra, tentando interpretar os sinais
com que Ele me interpela na vida de cada dia? Tenho o coração aberto às
suas propostas, ou fecho-me no meu egoísmo, nos meus preconceitos e na
minha auto-suficiência, procurando construir uma vida à margem de Deus
ou contra Deus? Procuro ser, em nome de Deus e dos seus planos, uma
testemunha profética que interpela o mundo, ou instalo-me no meu
cantinho cómodo e renuncio ao compromisso com Deus e com o Reino?
• O que é “amar os irmãos”? De acordo com o exemplo e o testemunho de
Jesus, o amor aos irmãos passa por prestar atenção a cada homem ou
mulher com quem me cruzo pelos caminhos da vida (seja ele branco ou
negro, rico ou pobre, nacional ou estrangeiro, amigo ou inimigo), por
sentir-me solidário com as alegrias e sofrimentos de cada pessoa, por
partilhar as desilusões e esperanças do meu próximo, por fazer da minha
vida um dom total a todos. O mundo em que vivemos precisa de redescobrir
o amor, a solidariedade, o serviço, a partilha, o dom da vida… Na
realidade, a minha vida é posta ao serviço dos meus irmãos, sem
distinção de raça, de cor, de estatuto social? Os pobres, os
necessitados, os marginalizados, os que alguma vez me magoaram e
ofenderam, encontram em mim um irmão que os ama, sem condições?
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